A nova realidade tributária da previdência complementar

1 – Introdução

A história da previdência complementar fechada no Brasil se inicia oficialmente nos anos 70 do século XX, dentro de uma visão governamental de busca de formação de capital próprio, tendo como parâmetros iniciais as experiências trazidas por corporações multinacionais, em cujos países de origem a previdência complementar era bem desenvolvida, resultando na criação pioneira de fundos de pensão no âmbito das empresas estatais.

Com a promulgação da Emenda Constitucional n.º 20, de 15 de dezembro de 1998, teve início uma fase de consolidação e de intensa afirmação desse sistema que, além de ser fator de política de recursos humanos de empresas e instituições, auxilia o Estado na concretização do direito fundamental à uma previdência digna e justa e é uma alavanca para o desenvolvimento sustentável do país.

A partir da Emenda 20, constitucionalizaram-se princípios que já faziam parte do universo jurídico da previdência complementar, como o seu caráter privado, a contratualidade e a sua desvinculação do contrato de trabalho e da remuneração do participante. Outras, por sua vez, foram introduzidas, como a completa independência em relação às regras de concessão dos benefícios pagos pelo INSS.

As Leis Complementares n.ºs 108 e 109, ambas de 29 de maio de 2001, que vieram na esteira das modificações na Constituição, impuseram profundas alterações para a previdência complementar fechada, que foram sendo implantadas gradualmente, tais como a definição e sistematização dos institutos obrigatórios referentes à portabilidade, ao resgate, ao benefício proporcional diferido e ao autopatrocínio, a implementação das regras para criação de entidades e planos instituídos por instituidores e a criação do Cadastro Nacional de Planos de Benefícios (CNPB). Sem falar no aprimoramento das regras para investimentos, consolidadas na Resolução do Conselho Monetário Nacional n.º 3.121, de 25 de setembro de 2003.

Mais recentemente, reafirmando a importância desse sistema para o país, o governo criou uma autarquia federal, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC), em substituição à Secretaria de Previdência Complementar (SPC). Mas a medida provisória que criou o órgão, a MP 233/04, não foi votada pelo Senado Federal antes do término do prazo constitucional de 120 dias, acarretando a perda de eficácia da norma, em junho de 2005, e a conseqüente extinção do órgão. Tal fato, antes de significar uma derrota política para o governo, foi uma má notícia para o sistema de previdência complementar fechado como um todo. A PREVIC teria maior autonomia, com orçamento e quadro de pessoal próprios, possuindo, portanto, condições para melhorar a estrutura de fiscalização e de regulação da previdência complementar fechada. Seriam avanços importantíssimos no aperfeiçoamento da segurança jurídica, institucional e operacional necessárias à preservação e maior crescimento do setor.

Não obstante esse percalço, pode-se afirmar que há um ambiente positivo de alterações estruturais na previdência complementar. E, coroando esse cenário, ocorreu a mais importante conquista do sistema de previdência complementar nos últimos tempos. E isto por causa da inclusão de um singelo artigo em uma medida provisória, em agosto de 2004.

O artigo 5.º da Medida Provisória n.º 209, de 26 de agosto de 2004, posteriormente convertida na Lei n.º 11.053, de 29 de dezembro de 2004, diz simplesmente o seguinte:

“A partir de 1.º de janeiro de 2005, ficam dispensados a retenção na fonte e o pagamento em separado do imposto de renda sobre os rendimentos e ganhos auferidos nas aplicações de recursos das provisões, reservas técnicas e fundos de planos de benefícios de entidade de previdência complementar, sociedade seguradora e FAPI, bem como de seguro de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência”.

Deste modo, houve a dispensa da retenção na fonte e do pagamento de Imposto de Renda sobre as aplicações financeiras dos recursos destinados ao pagamento de benefícios previdenciários pelos planos de benefícios administrados pelas entidades abertas e fechadas de previdência complementar. Essa dispensa significa fundamental incentivo à captação da poupança popular por meio dos fundos de pensão, acarretando um ganho de rentabilidade ainda maior nas aplicações, agora livres de impostos.

A Medida Provisória 255, de 1.º de julho de 2005, criou ainda um parágrafo único a esse artigo 5.º da Lei 11.053/04, ampliando a dispensa também em relação aos recursos dos fundos administrativos e dos planos assistenciais administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar.
Além disso, a nova legislação criou a possibilidade de tributação diferenciada para benefícios e resgates, que poderá ser mais positiva quanto maior for o tempo de acumulação dos recursos no plano de benefícios.

Enfim, o quadro que se avizinha é bastante promissor e é disto que tratará o presente artigo.

2 – As mudanças na tributação dos planos de benefícios

2.1 – Histórico da situação tributária no âmbito das efpc¹

Nos primórdios da previdência complementar em nosso país, o tratamento tributário conferido às entidades era o da imunidade tributária frente a qualquer tributo, pois o § 3.º do art. 39 da Lei 6.435/77 classificava as entidades fechadas de previdência complementar como instituições de assistência social para os efeitos do art. 19 da Constituição Federal de 1967, que vedava a instituição de impostos, dentre outros, sobre o patrimônio e a renda das entidades de assistência social.

¹Vide minucioso trabalho do advogado HELDER FLORÊNCIO, em monografia de conclusão de curso de pós-graduação em previdência complementar ministrado pela Fundação Getúlio Vargas em Brasília, apresentada em março de 2005.

Tal imunidade vigorou até a edição do Decreto-Lei 2.065, de 26 de outubro de 1983, uma vez que este revogou o § 3.º da Lei 6.435/77.

A partir daí começa um embate entre as entidades fechadas de previdência complementar e o fisco a respeito da tributação dos recursos garantidores das reservas técnicas dos seus planos de benefícios. Houve inúmeros questionamentos judiciais. Com a promulgação da Constituição de 1988, que, em seu art. 150, repete o que já dispunha o art. 19 da Constituição de 1967, o quadro pouco se alterou.

É preciso mencionar que, com relação aos aportes das patrocinadoras e dos participantes, a legislação permite a dedutibilidade para fins de incidência do Imposto de Renda. Para os participantes é permitida tal dedutibilidade pela Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, com a redação da pela lei 10.887, de 18 de junho de 2004, limitada a até 12% dos rendimentos². Às patrocinadoras, a dedução é permitida no valor até 20% do total dos salários dos empregados e dos dirigentes das empresas vinculados ao Plano, conforme estabelece o art. 11, § 2.º da Lei 9.532 de 10 de dezembro de 1997. As limitações para a dedutibilidade do IR decorrem do comando inserto no caput do art. 69 da LC 109, de 29 de maio de 2001.

A referida Lei 9.532, de 10 de dezembro de 1997, significou uma derrota para os fundos de pensão, pois, em seu art. 12 deu interpretação adversa ao conceito de entidades sem fins lucrativos, entendendo que assim seria considerada apenas a entidade que não apresentasse superávit em suas contas ou, caso o apresentasse em determinado exercício, destinasse o referido resultado integralmente ao incremento de seu ativo imobilizado. Mas, principalmente, determinou a exclusão da imunidade para aplicações financeiras em renda fixa ou renda variável, o que, na prática, encerrou o assunto.

O plenário do Supremo Tribunal Federal terminou por “jogar uma pá de cal” na imunidade das aplicações dos planos de benefícios dos fundos de pensão, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 202.700/DF, envolvendo a entidade CERES, em 08 de novembro de 2001.

²No período de 1º.01.1989 a 31.12.1995, quando esteve em vigor a Lei nº 7.713, de 22.12.1988, os participantes de EFPC’s não puderam deduzir, para fins de tributação do Imposto de Renda, as contribuições para a previdência complementar. Isso gerou, atualmente, um passivo contra a União, pois o Judiciário vem reconhecendo a existência de bitributação e tem determinado a isenção de IR quando do recebimento dos benefícios.

Por um placar de seis votos contra a imunidade e quatro a favor, a Suprema Corte decidiu que o fato de os fundos de pensão se destinarem a um universo restrito de pessoas feriria o princípio da universalidade, e a cobrança de contribuição contrariaria o princípio da gratuidade. Ambos, universalidade e gratuidade, fariam parte, na visão do STF, dos requisitos para que determinada instituição fosse classificada como de assistência social.

Em outro julgamento³, entretanto, o Plenário do STF, concedeu imunidade tributária a uma EFPC, considerando que, nesta, o participante não aportava contribuições, o que, na concepção firmada na Suprema Corte, não feriria o princípio da gratuidade. Registre-se, apenas, que, neste julgado o STF não se pronunciou sobre a questão da “universalidade”.

Não obstante o cenário bastante adverso naquele momento para as entidades fechadas de previdência complementar, houve um instante em que o setor achou que, finalmente, a justiça tributária iria ser feita. Tal oportunidade ocorreu durante as discussões para a regulamentação da EC 20/98, quando, no texto do Projeto de Lei Complementar n.º 10/99, aprovado pelo Congresso Nacional, e que resultaria na Lei Complementar 109/01, constou o seguinte dispositivo:

Art. 70. Os investimentos e os rendimentos provenientes das aplicações dos recursos das reservas técnicas, provisões e fundos, constituídos com recursos das contribuições e que garantam os benefícios, poderão ser incentivados, na forma da lei, e deverão ter o tratamento tributário diferido em relação ao imposto sobre a renda.

Mas o contentamento durou pouco, porque tal dispositivo foi vetado pelo Presidente da República.

Uma vez tendo sido derrotada no STF a tese da imunidade, e vetado o diferimento na LC 109/01, o governo federal editou, em 05 de setembro de 2001, a Medida Provisória nº 2.222. Tal MP alterou a forma de incidência do imposto de renda, criando o chamado “RET” – Regime Especial de Tributação - sobre as aplicações financeiras das entidades abertas e fechadas de previdência complementar. Foi ainda permitido o pagamento do passivo tributário perante a Receita Federal de maneira parcelada. Para aderir ao RET, dentre outras condições, seria necessário desistir de ações judiciais.

³Recurso Extraordinário nº 259.765-2, da COMSHELL.

Manteve-se, entretanto, a incidência de IR sobre as aplicações dos recursos dos planos de benefícios previdenciários.

2.2 – A conquista da previdência complementar

Uma vez feito o necessário enquadramento histórico é que se pode aquilatar o grande entusiasmo com que foi recebido o artigo 5.º da Medida Provisória n.º 209, de 26 de agosto de 2004, depois convertida na Lei n.º 11.053, de 29 de dezembro de 2004, por parte das entidades de previdência complementar, dos participantes, dos assistidos e das patrocinadoras e instituidoras.

A dispensa em relação à retenção na fonte do IR relativamente às aplicações financeiras dos recursos dos planos de benefícios dos fundos de pensão, e também dos recursos dos fundos administrativos e dos planos assistenciais, conforme dispõe a MP 255/05, além de significar um enorme incentivo à previdência complementar, é medida de justiça há muito reclamada pelo setor, conforme mesmo reconheceu o Exmo. Sr. Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, na exposição de motivos encaminhada ao Congresso Nacional para apresentar a proposta:

“O artigo 5.º determina que na fase de acumulação não haverá incidência de imposto de renda na fonte, no caso de rendimentos pagos por instituições financeiras, ou pago em separado, no caso de aplicações em bolsa e assemelhadas, o que resulta na não tributação dos rendimentos e ganhos auferidos na fase de acumulação. Trata-se de demanda histórica do sistema de previdência complementar e que torna a acumulação de recursos por meio destes produtos totalmente livre de impostos, a exemplo do que se verifica em outros países, sendo este mais um incentivo à formação de poupança previdência de longo prazo.”

De fato, a dispensa tributária na fase de acumulação é um forte estímulo à formação da poupança previdenciária de longo prazo. Primeiro porque os recursos já são tributados quando do recebimento dos benefícios pelos participantes. A tributação na fase de acumulação de reservas significa, como sempre significou, um bis in idem inaceitável juridicamente. E, segundo, pelo papel que os planos de benefícios das entidades de previdência complementar possuem na formação da poupança interna, no alongamento da dívida pública, na canalização de recursos para investimento em infra-estrutura, no fomento ao mercado imobiliário, de capitais, enfim, na importante tarefa desempenhada na economia do país como um todo.

3 – As mudanças na tributação dos benefícios e resgates

Além de ter dispensado do Imposto de Renda as aplicações dos recursos garantidores das reservas técnicas, fundos e provisões dos planos de benefícios das entidades abertas e fechadas de previdência complementar, foi criada, pela MP 209/04-Lei 11.053/04, uma forma optativa para a incidência de IR nos benefícios e resgates dos participantes de planos de benefícios da modalidade Contribuição Definida e Contribuição Variável.

Por tais regras, o participante desses tipos de plano terão a possibilidade de escolher serem seus benefícios e resgates tributados na fonte por uma tabela regressiva, por meio da qual quanto maior o tempo em que os recursos ficaram acumulados menor será a alíquota. A tabela é a seguinte:

TEMPO DE ACUMULAÇÃO ALÍQUOTA DE IR
Até 2 anos 35%
De 2 a 4 anos 30%
De 4 a 6 anos 25%
De 6 a 8 anos 20%
De 8 a 10 anos 15%
Acima de 10 anos 10%

Para quem já era participante de planos CD e CV em 31 de dezembro de 2004, há um prazo para fazer a opção: 30 de dezembro de 2005 . Para quem se inscreveu a partir de 1.º de janeiro de 2005, a opção deve ser feita até o último dia útil do mês seguinte ao da inscrição ao plano .

Para quem não fizer a opção pelas novas regras, seja participante antigo ou novo, incidirá IR na fonte, para os benefícios, conforme disposto na atual legislação, que estabelece a seguinte tabela :

BASE DE CÁLCULO (R$) ALÍQUOTA
Até 1.164,00 0%
De 1.164, 01 até 2.326,00 15%
Acima de 2.326,00 27,5%

Já com relação aos resgates, a nova legislação determina que, para quem não fizer a opção, antigos ou novos participantes, deverá incidir IR a uma alíquota de 15% a título de tributação provisória, a ser ajustada no momento da declaração de ajuste anual.

É de se observar que a Lei 11.053/04, não determina a aplicação dessa alíquota para os participantes anteriores a 1.º de janeiro de 2005. Tal determinação veio disposta no § 1.º do art. 12 da Instrução Normativa da Receita Federal 497 de 24 de janeiro de 2005. Há, portanto, uma evidente ilegalidade, que prejudicará, especialmente, os participantes de planos em entidades abertas que fizerem resgates menores do que a faixa de isenção da tabela normal do IR. Entretanto, como não é uma tributação definitiva, haverá possibilidade de compensação quando do ajuste anual.

Esse prazo, originalmente, era 1.º de julho de 2005, mas foi alterado pela MP 255, de 1.º de julho de 2005, para o último dia útil de dezembro de 2005.

Também este ponto sofreu modificação pela MP 255/05. Na regra original, a opção deveria ser feita no ato de inscrição do participante.
Valores determinados pela MP 232, de 30 de dezembro de 2004, convertida na Lei 11.119, de 25 de maio de 2005.

Antes de optar ou não pela tabela criada pela MP 209/Lei 11.053, uma vez que opção é irretratável (art. 1.º, § 6.º), é necessário que o participante, especialmente o que já o era antes das novas regras, esteja atento a três primordiais aspectos.

O primeiro deles é que a tributação pela tabela regressiva, além de não possuir faixa de isenção, é definitiva, ou seja, o benefício recebido não comporá o total da renda do contribuinte para efeito de deduções, abatimentos e outras formas de compensação quando do ajuste anual.

O segundo ponto é que o prazo que irá valer para efeito do cômputo do tempo de acumulação para inclusão nesta ou naquela alíquota, será contado a partir de 1.º de janeiro de 2005 para quem já era participante antes dessa data. Não será permitida a contagem, portanto, para esse grupo, de todo o tempo desde a inscrição no plano. Em caso de portabilidade, o tempo de acumulação no plano anterior somente será contado se tiver havido a opção nesse plano anterior. Para o participante que aderiu a algum plano depois de 1.º de janeiro de 2005, contar-se-á o tempo a partir da respectiva inscrição. Lembrando sempre que as regras novas só valem para participantes de planos CD e CV. Os da modalidade BD não foram contemplados.

O terceiro aspecto é que o tempo de acumulação para que se determine a alíquota não distingue se o benefício é programado ou de risco. Assim, por exemplo, se o participante faz a opção pelas novas regras de tributação na expectativa de que irá receber seu benefício de complementação de aposentadoria apenas daqui a mais de 10 anos (o que faria seu benefício ser tributado à alíquota de 10%), esta realidade pode modificar-se completamente caso venha a se invalidar – e se aposentar por invalidez - antes desse tempo, o que acarretará a aplicação de alíquotas maiores.

Deste modo, fica evidenciado que a opção do participante de planos das modalidades CD e CV, tanto em entidades abertas como fechadas, pelas novas regras de incidência de Imposto de Renda nos benefícios e resgates, é uma decisão para a qual devem ser pesados o tempo de acumulação previsto, o valor do benefício esperado e o patrimônio e a realidade pessoal de cada um. Caso não haja segurança quanto às vantagens da nova legislação, o melhor é ficar com as normas atualmente vigentes.

4. Conclusão

A previdência complementar brasileira, com a dispensa da retenção de imposto de renda na fase de acumulação de recursos, ganha um patamar mais justo de operacionalização e, com isso, adquire perspectivas mais positivas no longo prazo. A própria criação de uma opção para os participantes quando da tributação de seus benefícios precisa ser analisada sob a ótica, em si mesma elogiável, de se buscar incrementar e prestigiar esse segmento.

Por tudo isso, vislumbra-se um cenário de maior confiabilidade e crescimento para esse importante ramo do setor previdenciário e da vida nacional, ao qual a sociedade brasileira tem cada vez mais buscado a necessária segurança.

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